Conheça o poema Retrato, de Cecília Meireles, e confira nossa análise!
Retrato é um poema escrito pela poetisa brasileira Cecília Meireles, que está disponível em Viagem (1939).
Este é um dos poemas mais conhecidos do livro que talvez tenha gerado maior repercussão entre todos os que foram publicados por Cecília, sendo premiado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Olavo Bilac, pela primeira vez concedido a uma mulher.
Retrato é um poema emotivo e melancólico, que aborda, entre outras coisas, a passagem do tempo e os dissabores aos quais a vida frequentemente nos submete.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Retrato, de Cecília Meireles. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.
Boa leitura!
Retrato, de Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Análise do poema
- Tipo de verso: livre
- Número e tipo de estrofes: 3 estrofes regulares
- Número de versos: 12 versos
Retrato é um poema construído em versos livres, portanto, é um poema que não utiliza nem metrificação, nem rima.
Como o título sugere, o poema é a representação de um suposto “retrato” do eu lírico.
Estrutura do poema
Retrato possui 12 versos divididos em 3 quadras (ou quartetos).
A princípio, quando batemos o olho no poema, parece-nos ser ele composto de octossílabos entremeados por versos quebrados de quatro sílabas poéticas — este metro, aliás, era um dos preferidos de Cecília.
Não é, porém, o que acontece, e quando o analisamos mais acuradamente percebemos que seus versos são livres, portanto, são versos despreocupados com a métrica.
As tradicionais rimas consoantes não são utilizadas no poema, contudo, o segundo e o quarto verso de todas as estrofes apresentam rimas que poderíamos classificar como toantes com apoio consonantal.
Tais rimas (“magro” e “amargo”, “mortas” e “mostra”, “fácil” e “face”) constituem, também, um jogo de palavras, em que percebemos nos dois primeiros casos as letras da primeira palavra inseridas na segunda, e no último uma grande semelhança sonora, algo que talvez nos aflija por, a princípio, parecerem estas rimas perfeitas, embora não sejam.
Sentido do poema
Retrato é um poema que aborda as mudanças que acompanham o tempo no decorrer da vida.
O título sugere o eu lírico fazendo ou mirando um “retrato” de si mesmo, em suma, defrontando e analisando aquilo que se tornou.
O poema tem um caráter destacadamente filosófico, e expressa a melancolia do sujeito poético diante das mudanças que sofreu.
Assim começa Retrato:
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Já de início, notamos algumas coisas: a primeira, que o eu lírico pinta-se de maneira que sugere tristeza, apatia e desilusão.
“Triste”, “magro”, de “olhos vazios” e “lábio amargo”: tudo isso é-nos apresentado como qualidades atuais daquele que anteriormente as não apresentava.
Em seguida, notamos o tom de lamentação perante essa aparência comovente: “Eu não tinha”, portanto, sugere que algo ocorreu para que passasse a ter, algo que podemos inferir como sofrimentos e decepções.
Notamos ainda que a enumeração destas qualidades, assim feita, repetindo os advérbios “nem” e “assim”, sugere o eu lírico a notar cada uma delas individualmente, numa progressão que aumenta gradativamente a melancolia que sente enquanto as percebe.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Nesta estrofe, continua o eu lírico no mesmo tom da precedente, abrindo-a com um novo “Eu não tinha”.
Aqui, a apatia já sugerida anteriormente é reforçada com novos elementos: “mãos sem força”, “paradas e frias e mortas”, “coração que nem se mostra”.
É interessante notar que, neste ponto, percebemos como é profunda a tristeza experimentada pelo sujeito poético, mas é uma tristeza serena, sem qualquer agressividade ou desespero, que sugere um estado reflexivo e nos gera grande compaixão.
Finalmente, assim é a última quadra do poema:
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Aqui, vemos a surpresa do sujeito poético diante da própria aparência, como se tivesse ficado irreconhecível sem percebê-lo, como se tivesse se transformado em outra pessoa diferente de si.
Tais versos, naturalmente, possuem um cunho filosófico, e expressam uma reflexão sobre a transitoriedade da vida, “tão simples, tão certa, tão fácil”.
Embora assim seja, não é sem melancolia que pergunta o eu lírico “em que espelho ficou perdida” a sua face.
Tais versos nos evidenciam que, mesmo sendo algo natural, o mais das vezes ficamos impressionados com os efeitos do tempo em nós mesmos, que parecem desfigurar-nos e levar algo de nós.
Portanto, Retrato é um poema que reflete sobre o caráter efêmero da vida e sobre como somos transformados pelas decepções que experimentamos.
Sobre Cecília Meireles
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901 e morreu, na mesma cidade, em 9 de novembro de 1964.
Nascida órfã de pai, perdeu a mãe aos três anos e, por isso, foi criada por sua avó portuguesa, Dona Jacinta, natural da ilha dos Açores.
Desde pequena, Cecília recebeu educação religiosa e demonstrou grande interesse pela literatura. Tornou-se professora muito cedo, quando já compunha poemas.
O interesse de Cecília Meireles pela educação fê-la fundar a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, em 1934.
Aos 21 anos, casou-se com o pintor português Fernando Correia Dias, que veio a suicidar-se em 1936.
Cinco anos após este evento dramático, Cecília casa-se novamente, desta vez com o engenheiro agrônomo Heitor Vinícius de Silveira Grilo.
Em 1939, Cecília publica Viagem, livro que rapidamente encantou leitores e acadêmicos, dando-lhe grande reconhecimento e o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras.
No dia 9 de novembro de 1964, com 63 anos, Cecília faleceu, vítima de câncer, no Rio de Janeiro.
Obras de Cecília Meireles
- Espectros (1919)
- Criança, meu amor (1923)
- Nunca mais (1923)
- Poema dos poemas (1923)
- Baladas para el-rei (1925)
- O espírito vitorioso (1929)
- Saudação à menina de Portugal (1930)
- Batuque, samba e macumba (1933)
- A festa das letras (1937)
- Viagem (1939)
- Olhinhos de gato (1940)
- Vaga música (1942)
- Mar absoluto (1945)
- Rute e Alberto (1945)
- Rui: pequena história de uma grande vida (1948)
- Retrato natural (1949)
- Problemas de literatura infantil (1950)
- Amor em Leonoreta (1952)
- Doze noturnos da Holanda e O aeronauta (1952)
- Romanceiro da Inconfidência (1953)
- Poemas escritos na Índia (1953)
- Pequeno oratório de Santa Clara (1955)
- Pistoia, cemitério militar brasileiro (1955)
- Panorama folclórico de Açores (1955)
- Canções (1956)
- Giroflê, giroflá (1956).
- Romance de Santa Cecília (1957).
- A rosa (1957).
- Metal rosicler (1960)
- Poemas de Israel (1963)
- Solombra (1963)
- Ou isto ou aquilo (1964)
- Escolha o seu sonho (1964)
- Crônica trovada da cidade de Sam Sebastiam (1965)
- O menino atrasado (1966)
- Poemas italianos (1968)
- Flor de poemas (1972)
- Elegias (1974)
- Flores e canções (1979)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Retrato, de Cecília Meireles.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Pneumotórax, de Manuel Bandeira.
Um abraço e até a próxima!