Conheça o poema Tenho tanto sentimento, de Fernando Pessoa e confira nossa análise!
Tenho tanto sentimento é um poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa que está disponível nas versões mais recentes de sua obra intitulada Cancioneiro.
O poema é datado de 18 de setembro de 1933 e aborda uma temática muito frequente na obra pessoana, que é o contraste entre realidade e imaginação.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Tenho tanto sentimento, de Fernando Pessoa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Tenho tanto sentimento, de Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Análise do poema
- Tipo de verso: heptassílabo rimado (redondilha maior)
- Número e tipo de estrofes: 3 estrofes regulares
- Número de versos: 18 versos
Tenho tanto sentimento é um poema construído em heptassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.
O poema pode ser resumido numa reflexão do eu lírico sobre a realidade daquilo que vive e daquilo que pensa.
Estrutura do poema
Tenho tanto sentimento possui 18 versos divididos em três sextilhas (ou sextetos).
Os versos do poema são heptassílabos, isto é, são versos metrificados que apresentam, cada um deles, sete sílabas poéticas. Este tipo de verso chamamos em português redondilha maior.
Quanto às rimas, a primeira estrofe apresenta-se conforme o esquema abcbac, e as demais conforme o esquema abcabc.
Sentido do poema
Tenho tanto sentimento é um poema em que o eu lírico reflete sobre a realidade daquilo que sente (vive) e daquilo que pensa.
Este era um dos temas preferidos de Fernando Pessoa, que aparece, também, embora sob outro ângulo, no poema Tabacaria, sobre o qual escrevemos recentemente.
O poema começa da seguinte maneira:
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Aqui vemos, primeiro, que o eu lírico se confessa “sentimental”, em seguida reconhecendo, após reflexão, que na verdade não sente, mas pensa.
Essa abordagem contraditória para o sentimento é muito interessante e está presente também em alguns heterônimos de Pessoa.
Quer dizer: o eu lírico exalta aquilo que sente, ou melhor, a força e a realidade daquilo que sente; em seguida, porém, racionaliza tal sentimento, e acaba por concluir que é este, na verdade, uma criação imaginária.
Pessoa adorava imaginar e descrever emoções intensas, para depois reputá-las como obra do pensamento: é exatamente isso que faz, aqui, ao dizer “tudo isso é pensamento”, e “não senti afinal”.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Aqui, o eu lírico faz uma reflexão sobre o problema já delineado na estrofe anterior: o contraste entre realidade e imaginação.
Segundo ele, temos todos uma vida “que é vivida” e outra vida “que é pensada”, ou seja, vivemos tanto no mundo real quando em nosso mundo imaginário, o que também poderia ser expresso como “temos uma vida exterior e uma vida interior”.
E, ainda segundo o eu lírico, “a única vida que temos é essa que é dividida entre a verdadeira e a errada”.
Com isso, quer ele sugerir que a nossa vida “real” é uma mescla entre nossa vida exterior e interior, uma mescla entre aquilo que vivemos e imaginamos, temos e desejamos, exposto no poema como uma vida “verdadeira” e uma vida “errada”.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Finalmente, após dizer que há uma vida “verdadeira” e uma vida “errada”, o eu lírico diz que ninguém é capaz de explicar qual delas é qual.
Esses versos são profundos, e permitem muitas interpretações.
A princípio, poderíamos dizer que, não sabendo se o verdadeiro é a imaginação ou a realidade, quer o poeta sugerir que pode haver uma diferença de intensidade entre elas que faz com que uma se sobreponha à outra.
Quer também ele dizer que é possível ter uma realidade medíocre e uma riquíssima imaginação, ou vice-versa.
Portanto, poderíamos ir adiante e inferir um questionamento: o que define o que somos, aquilo que somos por fora ou aquilo que somos por dentro?
Parece ser esta a reflexão do eu lírico, que acaba concluindo que não é possível respondê-lo com precisão, e que não temos outra vida senão esta para vivê-la e pensá-la, isto é, para escolher como queremos viver.
Sobre Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.
Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.
Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.
O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.
Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.
O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.
Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:
- Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
- Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
- Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
- Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.
Obras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.
Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:
- 35 sonnets (1918)
- Antinous (1918)
- English poems (1921) — em três volumes
- Mensagem (1934)
- A Nova Poesia Portuguesa (1944)
- Poemas Dramáticos (1952)
- Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
- Sobre Portugal (1979)
- Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
- Livro do desassossego (1982)
- Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
- Primeiro Fausto (1986)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Tenho tanto sentimento, de Fernando Pessoa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre O morcego, de Augusto dos Anjos.
Um abraço e até a próxima!