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Sinafia: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é sinafia em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A sinafia é um recurso estilístico frequentemente encontrado na poesia romântica portuguesa, e que já proporcionou muita incompreensão.

Sua utilização remonta à poesia greco-latina, e sua justificação encontra-se entranhada na prosódia de determinados versos.

A seguir, elucidaremos o que é sinafia em poesia e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de sinafia

Em poesia, sinafia é o nome que se dá à compensação silábica entre dois versos, que se dá por sinalefa entre a sílaba átona final do primeiro com a primeira sílaba do seguinte, ou pelo deslocamento da última sílaba átona do primeiro ao início do seguinte.

No primeiro caso, a intenção é retirar uma sílaba do segundo verso; no segundo caso, adicioná-la; em ambos os casos, a finalidade da sinafia é a regularização rítmica dos versos.

A sinafia, como alguns outros recursos estilísticos, chegou às línguas modernas por influência de processos análogos empregados na poesia greco-latina, que visavam manipular a métrica do verso.

Em português, a sinafia foi utilizada especialmente por poetas românticos como Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo.

O termo sinafia é derivado do grego synapheia; nesta língua, significa literalmente “combinação, união”; a sinafia é também denominada compensação.

Aplicação da sinafia

A sinafia, como se vê, visa alterar o número de sílabas de um verso, seja aumentando-o ou diminuindo-o em uma sílaba, valendo-se do apoio da última sílaba do verso anterior.

Esta, obrigatoriamente, tem de ser átona, do contrário ou alterará o número de sílabas do verso em que se encontra, ou acarretará efeitos indesejáveis para a composição, como a ocultação da sílaba seguinte (“quiçá / A…”) ou a intrusão inoportuna de um fonema na reiteração fônica de uma rima.

O significado original de sinafia, consoante o grego synapheia, parece sugerir apenas a alteração do número de sílabas de um verso através de uma sinalefa entre sua primeira sílaba e a última do verso anterior, isto é, através da transformação destas duas sílabas em uma só.

É, por exemplo, o que registra a espanhola María Victoria Reyzábal em seu Diccionario de términos literarios, fornecendo-nos o seguinte exemplo, em que destacamos a ocorrência de sinafia:

Asuero, sinon oyera,
non usara
justamente de la vara,
e cayera
en error que non quisiera
encontinente,
e de fecho el inosçente
padesçiera

Como se nota, a primeira sílaba do sexto verso recua, fazendo sinalefa com a última sílaba do verso anterior: o resultado é que o sexto verso é lido com três, e não quatro sílabas poéticas.

Idêntico fenômeno verificamos nos versos seguintes de Gonçalves Dias:

Nisto o mar que se encapela
A virgem bela

O último verso, pois, é lido com três sílabas poéticas, em razão de que sua primeira sílaba recua ao verso anterior.

María Victoria Reyzábal nota que este fenômeno é muito frequente em versos curtos, ou em combinações de versos curtos e longos, tais como as exemplificadas acima, devido a uma “carência de autonomia” dos tais versos curtos.

Adicionaríamos que versos curtos são de leitura mais célere, e diminuem muito a pausa característica do final dos versos, como que impelindo a sinafia nestes casos.

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Péricles Eugênio da Silva Ramos, grande esticólogo brasileiro, menciona como sinafia o outro fenômeno também observado em poetas românticos: o deslocamento da última sílaba átona de um verso ao verso seguinte, como se pode observar neste exemplo de Gonçalves Dias:

Curta distância, que vencer é fácil;
Fácil, mas a membros não cansados

O segundo verso acima, sem a sinafia, conta 9 sílabas poéticas; com a sinafia, é lido da seguinte maneira:

Curta distância, que vencer é fá-
cil; fácil, mas a membros não cansados

Percebemos que, desta maneira, ambos os versos são lidos como decassílabos, algo que seguramente era a intenção do autor.

Por muito tempo, tal fenômeno gerou incompreensão em alguns literatos de nossa língua, que acabaram por considerar defeituosos versos como os supracitados.

Ocorre, contudo, que a ocorrência da sinafia é frequente em alguns poetas, que evidentemente a utilizaram com consciência como recurso estilístico, como está hoje demonstrado graças a estudiosos como Péricles Eugênio da Silva Ramos.

Um último exemplo que afasta qualquer dúvida quanto à intencionalidade da sinafia está no célebre poema A valsa, de Casimiro de Abreu, construído inteiramente em dissílabos, onde temos o seguinte passo:

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Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
(…)

Finalmente, reforçamos que as ocorrências mais frequentes de sinafia em português se dão em versos curtos ou no decassílabo, tal como exemplificamos acima.

Exemplos de sinafia

Abaixo, daremos mais alguns exemplos da aplicação da sinafia, seja aumentando, seja reduzindo o número de sílabas do verso.

Gonçalves Dias a utiliza para transformar em decassílabos os seguintes eneassílabos (nosso destaque para a sílaba que se transfere ao verso seguinte):

Disparatados, e o melhor de tantos
Coligir, era missão mais alta.

Eis rompe a densa
Turba que d’em torno d’Itapeba

Cruas vagas de sangue; e os turvos rios
Mortos por tributo ao mar volvendo

Álvares de Azevedo faz o mesmo nos versos abaixo:

Agradeço-vos
Senhora Condessa, o terdes vindo

E também Salvador Nardi:

Que rega da nobreza as belas flores.
Destas frutos são de altos primores

Destes exemplos tiramos duas conclusões básicas: (1) o processo é claramente intencional e (2) o verso que cede a última sílaba átona permanece inalterado quanto à contagem silábica, visto que, na contagem silábica portuguesa, conta-se o número de sílabas poéticas do verso somente até sua última sílaba tônica para efeito de classificação.

Agora, alguns exemplos em que a sinafia retira uma sílaba do verso, a qual faz sinalefa com a última sílaba átona do verso anterior (destacamos a sílaba que recua).

Logo o mar todo bonança,
A praia cansa,
(Gonçalves Dias)

Nunca ouviste a voz da flauta,
A dor do nauta
(Casimiro de Abreu)

Claro está que, através da sinafia, tais composições são lidas como heptassílabos mesclados a trissílabos.

Notamos, enfim, que tais processos são eficazes por encaixarem-se harmoniosamente na prosódia do verso, muitas vezes inclinando o poeta a inconscientemente empregá-los, sobretudo no caso da sinafia com sinalefa em versos curtos.

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Sinafia: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/sinafia-poesia-o-que-e-exemplos/. Acesso em: 2 mai. 2024.