Conheça o poema Quando olho para mim não me percebo, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), e confira nossa análise!
Quando olho para mim não me percebo é um poema de Fernando Pessoa, assinado pelo heterônimo Álvaro de Campos e disponível no volume que leva o nome de Poesias de Álvaro de Campos.
O poema é datado de agosto de 1913 e é o primeiro de um conjunto intitulado Três sonetos, que aparece em algumas edições da obra de Campos.
Quando olho para mim não me percebo é uma imersão do eu lírico nas próprias sensações e uma tentativa de compreender-se compreendendo-as, sendo o poema um belo exemplo do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo.
Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Quando olho para mim não me percebo. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.
Boa leitura!
Quando olho para mim não me percebo, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? sereiTal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Análise do poema
- Tipo de verso: decassílabo rimado
- Número e tipo de estrofes: 4 estrofes: 2 quadras e 2 tercetos (soneto)
- Número de versos: 14 versos
Quando olho para mim não me percebo é um soneto construído em decassílabos rimados, portanto, é um poema que se vale de metrificação e de rima.
Trata-se de um soneto clássico, que se enquadra no modelo que comumente chamamos soneto italiano ou soneto petrarquiano.
Neste tipo de soneto, associado ao poeta italiano Francesco Petrarca, temos como padrão 14 versos decassílabos rimados divididos em duas quadras e dois tercetos, de forma que as quadras apresentam dois tipos de rimas e os tercetos combinam duas ou três rimas diferentes.
Estrutura do poema
Quando olho para mim não me percebo é um soneto clássico construído em versos decassílabos que, conforme o padrão clássico, apresentam a sexta sílaba sempre acentuada.
Tal regularidade contribui para a musicalidade do poema, que é reforçada pelo uso de rimas.
Encontramos, porém, algumas variações para este padrão rítmico em versos cujo acento cai na quarta e oitava sílaba (versos sáficos): variação esta também comum em sonetos clássicos.
As quadras de Quando olho para mim não me percebo apresentam rimas que chamamos enlaçadas, ou seja, rimam em parelha dois versos entre dois outros que também rimam, conforme o esquema abba.
Os tercetos, por sua vez, apresentam-se conforme o esquema aba cbc.
Sentido do poema
Quando olho para mim não me percebo é um poema em que o eu lírico faz uma tentativa de compreender as próprias sensações e, com isso, compreender a si mesmo.
Em primeiro lugar, é preciso entender que este poema expressa uma maneira particular de encarar a vida e a arte: a maneira defendida pelo movimento sensacionista.
O Sensacionismo sustenta uma identificação total com as sensações e uma arte que as expresse, afirmando-as como a única realidade na vida.
Sendo assim, o eu lírico, em Quando olho para mim não me percebo, faz uma imersão naquilo que sente, numa investigação de si mesmo.
O poema é aberto com os seguintes versos:
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
Vemos, aqui, que o eu lírico insinua que o sentir que experimenta é tão forte que faz com que ele mesmo se extravie das sensações que recebe.
É bom lembrar que, de todos os heterônimos de Fernando Pessoa, é Álvaro de Campos o mais emotivo e exaltado, isto é, o que “sente” mais fortemente.
O poema prossegue numa tentativa de interpretação das sensações, até um ponto em que o eu lírico parece misturar-se nelas, não conseguindo distingui-las de si mesmo, ou saber se elas são como lhe parecem ou se ele mesmo é aquilo que lhe parece ser.
Os tercetos evidenciam essa indecisão:
Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? sereiTal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Vemos, assim, que o sujeito poético não chega a um consenso consigo mesmo, não conseguindo definir-se nem assegurar se ele mesmo sente aquilo que parece sentir.
É este um poema filosófico, mas, diferente de escolas como a cirenaica ou a sensualista, que atribuíam às sensações um critério único e seguro de verdade, põe o eu lírico em dúvida inclusive a realidade daquilo que sente, evidenciando uma dúvida existencial.
Quer ele, talvez, expressar uma potência sensual que lhe extrapola o raciocínio, isto é, que experimenta um sentir fortíssimo e indefinível, a ponto de nele perder a noção de si mesmo.
Em suma: Quando olho para mim não me percebo é a expressão poética de uma filosofia existencial particular.
Sobre Fernando Pessoa
Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português que nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888.
Sua vasta obra contempla poemas, escritos filosóficos, sociológicos, astrológicos, ensaios de crítica literária, entre outros.
Em vida, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor, correspondente estrangeiro, crítico literário e colaborador em revistas literárias, recusando alguns empregos para que pudesse se dedicar à literatura.
O poeta chegou a matricular-se na Faculdade de Letras de Lisboa, abandonando-a sem concluir o curso.
Sem dúvida, a grande excentricidade de Fernando Pessoa está em seus conhecidos heterônimos, que não são senão variações de sua própria personalidade, mas construídos com engenho incrível.
O poeta não se limitou a criar personalidades para seus heterônimos, e deu luz a uma história de vida completa para cada um deles, com data de nascimento adequando-se aos respectivos horóscopos, temperamento, estilo de vida, estilo literário e até data de óbito.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935, deixando em seu espólio cerca de 25 mil páginas de textos, que vêm sendo publicados lentamente desde então.
Os heterônimos de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ficou famoso por escrever sob o nome de heterônimos.
Foram muitas e muitas personalidades criadas por ele, e abaixo fazemos um resumo biográfico das quatro mais famosas:
- Álvaro de Campos: nascido em Tavira, em 1890. Possuía temperamento emotivo e, por isso mesmo, é às vezes eufórico e exaltado. Viajou para a Escócia e para o Oriente, educou-se na Inglaterra e formou-se engenheiro.
- Alberto Caeiro: nascido em Lisboa, em 1889, e falecido de tuberculose. Escrevia poemas, mas não possuía educação formal. Era denominado mestre por Álvaro de Campos, que o colocava como precursor e ícone do movimento literário que ficou conhecido em Portugal como Sensacionismo. Distinguia-se pela racionalidade e objetividade, e tinha uma vida ligada ao campo e aos rebanhos.
- Ricardo Reis: nascido no Porto, em 1887. Era médico e, segundo nos conta Pessoa, “está frequentemente no Brasil”.
- Bernardo Soares: era um “ajudante de guarda-livros” lisboeta, autor do famosíssimo Livro do desassossego. Era considerado um “semi-heterônimo” por Fernando Pessoa, porque, nas palavras do poeta, “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade”.
Obras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa publicou poucas obras em vida e, até hoje, possui parte de seus manuscritos inéditos.
Seus textos em poesia e prosa já foram editados sob muitos títulos, e abaixo destacamos algumas de suas obras mais conhecidas:
- 35 sonnets (1918)
- Antinous (1918)
- English poems (1921) — em três volumes
- Mensagem (1934)
- A Nova Poesia Portuguesa (1944)
- Poemas Dramáticos (1952)
- Cartas de Amor de Fernando Pessoa (1978)
- Sobre Portugal (1979)
- Textos de Crítica e de Intervenção (1980)
- Livro do desassossego (1982)
- Obra Poética de Fernando Pessoa (1986)
- Primeiro Fausto (1986)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Quando olho para mim não me percebo, de Fernando Pessoa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Se, depois de eu morrer, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa).
Um abraço e até a próxima!