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Poema José, de Carlos Drummond de Andrade (com análise)

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Conheça o famosíssimo poema José, de Carlos Drummond de Andrade (E agora, José?) e confira nossa análise!

O poema José, de Carlos Drummond de Andrade, popularmente conhecido como “E agora, José?”, é sem dúvida um dos poemas mais famosos da literatura brasileira.

Raríssimos são os exemplos de versos em português que se tornaram bordões populares, a ponto de muitos os conhecerem mesmo não sabendo que se tratam de um poema (exatamente como se dá com “E agora, José?” ou “No meio do caminho tinha uma pedra…”).

Por isso, o poema José, de Carlos Drummond de Andrade, é um dos exemplos mais vivos que temos, na literatura brasileira, da força que a poesia possui em canalizar emoções através de palavras.

Publicado originalmente em 1942, na coletânea Poesias, é este um poema que atravessou o tempo.

Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema José, de Carlos Drummond de Andrade; em seguida, você poderá conferir nossa análise e interpretação.

Boa leitura!

José, de Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Análise do poema

  • Tipo de verso: livre
  • Número e tipo de estrofes: 6 estrofes irregulares
  • Número de versos: 67 versos

O poema José é construído em versos livres (ou irregulares), isto é, em versos que não utilizam metrificação e também dispensam a rima.

Apesar disso, percebemos que, durante todo o poema, Drummond utiliza apenas os metros pentassílabos e hexassílabos, além de trabalhar com sonoridades reincidentes em vários versos, o que contribui fortemente para a ideia repetitiva (representada pelo bordão E agora José?) que o poeta explora durante o poema.

José é uma representação artística do sentimento de solidão e falta de rumo que experimenta o homem moderno.

Logo na abertura da primeira estrofe, é colocado o bordão “E agora, José?”, que será repetido várias vezes e representa, de uma só vez, a necessidade de tomar uma decisão e a hesitação quanto a como fazê-lo.

Em seguida, Drummond apresenta os argumentos de “a festa acabou”, “a luz apagou”, “o povo sumiu”, “a noite esfriou”, como a querer dizer que aquilo que era bom já não existe, ou que momentos de alegria já se foram.

Que fazer?

Todo o poema é um grito por buscar essa resposta, e ganha intensidade a medida que correm os versos.

Ainda na primeira estrofe, vemos que Drummond substitui “José” por “você”, deixando claro sua intenção de representar um sujeito coletivo através de “José” e, mais especificamente, representar o próprio leitor.

“E agora, você?” é um verso que intima o leitor a se envolver pessoalmente no drama de José, no drama de não saber escolher e encontrar-se diante de uma situação que exige uma escolha.

A ideia acima é reforçada pelos versos que definem o “você”:

você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Em seguida, Drummond, com muita habilidade, vai como que martelando a mesma angústia e alterna, de um lado, a exposição de situações que evidenciam solidão e abandono (“está sem mulher”, “está sem discurso”, “está sem carinho”) e, de outro, a questão que parece proferida por uma voz insistente, que nos não irá abandonar: “E agora, José?”.

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A medida que progredimos no poema e a mesma questão vai se repetindo uma e outra vez, vamos ficando com a sensação de que a angústia inicial toma contornos de desespero, que é realçado pela ideia de que, apesar de precisar agir, “José” não pode fazê-lo, como explícito nos versos abaixo:

já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,

E também mais adiante:

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.

Drummond, com isso, parece nos dizer que algo externo (a vida?), que foge ao controle de José (nós mesmos?), impede-o de fazer aquilo que deseja, aquilo que precisa.

“Não existe porta”, isto é, não há sentido para a vida; “quer morrer no mar, mas o mar secou”, isto é, José é obrigado a viver; “Minas não há mais”, isto é, nem o passado, nem a infância são refúgios possíveis (Drummond nasceu em Minas Gerais).

Assim, vemos que Drummond carrega versos aparentemente simples com um peso existencial incomum.

O poema leva-nos a refletir sobre o nosso papel no mundo, o sentido de nossa vida, o que faremos quando o hoje tornar-se passado, e questiona-nos de um ponto de vista intimista, parecendo nos dizer que a questão precisa ser respondida e ninguém pode respondê-la por nós.

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José está “sozinho no escuro”, “sem teogonia” (sem auxílio superior), “sem parede nua” (sem amparo) e “sem cavalo preto” (sem ter como fugir).

Portanto, está José diante do de uma questão imperiosa e premente.

Algo digno de nota é a maneira como Drummond finaliza o poema, após repetir muitas vezes a aflição e indecisão do “e agora?”, que parecem-nos invencíveis no decorrer do poema.

Drummond responde-nos no penúltimo verso: “você marcha, José!”, e parece dizer-nos que, apesar de tudo, temos de seguir adiante.

Finalizando o poema com a questão “José, para onde?”, ficamos com a sensação de que a inércia, a estagnação e o hesitar não são opções, que temos de seguir em frente e que, portanto, a questão não é “o que fazer?”, e sim “para onde ir”.

É, de fato, um belo poema!

Sobre Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902.

Filho de proprietários rurais, ele passou a primeira infância no interior desta cidade, estudando no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito.

Em 1916, foi a Belo Horizonte iniciar seus estudos no internato e colégio Arnaldo.

Em 1918, mudou-se para Nova Friburgo (RJ) para estudar no colégio Anchieta. Ali permaneceu por um ano, acabando expulso por “insubordinação mental”, após ter um atrito com seu professor de português.

Em 1923, iniciou o curso de Farmácia na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, concluindo-o em 1925. Neste mesmo ano, foi um dos fundadores do periódico modernista A Revista.

Em 1926, embora formado farmacêutico, foi a Itabira para trabalhar como professor de geografia e português, voltando a Belo Horizonte no mesmo ano, para ser redator no Diário de Minas.

Em 1930, Drummond, de forma independente, publicou seu primeiro livro, Alguma poesia. O reconhecimento literário só viria, porém, em 1942, com a publicação de Poesias.

Drummond exerceu em vida alguns cargos públicos e atuou, a princípio, como auxiliar de gabinete da Secretaria do Interior. Depois assumiu a chefia do gabinete do Ministério da Educação. Entre 1945 e 1962 atuou como funcionário da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), onde se aposentou como chefe de seção.

O poeta casou-se uma e foi pai duas vezes, falecendo no Rio de Janeiro, em 1987, apenas doze dias após à morte de sua filha.

Obras de Carlos Drummond de Andrade

Poesia

  • Alguma poesia (1930)
  • Brejo das almas (1934)
  • Sentimento do mundo (1940)
  • Poesias (1942)
  • A rosa do povo (1945)
  • Novos poemas (1948)
  • Claro enigma (1951)
  • Viola de bolso (1952)
  • Fazendeiro do ar (1954)
  • A vida passada a limpo (1955)
  • Lição de coisas (1962)
  • Versiprosa (1967)
  • Boitempo (1968)
  • A falta que ama (1968)
  • Nudez (1968)
  • As impurezas do branco (1973)
  • Menino antigo (1973)
  • A visita (1977)
  • Discurso de primavera e algumas sombras (1977)
  • O marginal Clorindo Gato (1978)
  • Esquecer para lembrar (1979)
  • A paixão medida (1980)
  • Caso do vestido (1983)
  • Corpo (1984)
  • Eu, etiqueta (1984)
  • Amar se aprende amando (1985)
  • Poesia errante (1988)
  • O amor natural (1992)
  • Farewell (1996)

Prosa

  • Confissões de Minas (1944)
  • Contos de aprendiz (1951)
  • Passeios na ilha (1952)
  • Fala, amendoeira (1957)
  • A bolsa & a vida (1962)
  • A minha vida (1964)
  • Cadeira de balanço (1966)
  • Caminhos de João Brandão (1970)
  • O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972)
  • De notícias & não notícias faz-se a crônica (1974)
  • 70 historinhas (1978)
  • Contos plausíveis (1981)
  • Boca de luar (1984)
  • O observador no escritório (1985)
  • Tempo vida poesia (1986)
  • Moça deitada na grama (1987)
  • O avesso das coisas (1988)
  • Autorretrato e outras crônicas (1989)

Bônus: versão musical de E agora José?, de Carlos Drummond de Andrade

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema José, de Carlos Drummond de Andrade.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver a nossa lista com os principais erros cometidos por poetas iniciantes.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema José, de Carlos Drummond de Andrade (com análise). [S.I.] 2022. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-e-agora-jose-carlos-drummond-de-andrade/. Acesso em: 14 mai. 2024.