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Anacruse: o que é, características e exemplos

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Saiba o que é anacruse em poesia, conheça suas características e veja exemplos de sua aplicação!

A anacruse é um recurso estilístico que, embora tenha sido pouco empregado e caído em desuso na poesia portuguesa, é observável em algumas composições.

A seguir, elucidaremos o que é anacruse em poesia, quais são suas características e daremos exemplos de sua aplicação.

Definição de anacruse

Em poesia, anacruse é a sílaba extra, anteposta ao primeiro icto, que é desconsiderada na escansão.

Em teoria, mais de uma sílaba poderia ser anteposta ao primeiro acento do verso, como de fato acontecia na poesia greco-latina, da qual herdamos este recurso estilístico.

Em português, porém, a prática da anacruse limitou-se a antepor uma única sílaba ao primeiro icto.

A anacruse, derivada do grego anákrousis, é também grafada anacrusis ou anacrusa; quando ocorre, é costume em português dizer-se que a primeira sílaba do verso “vai perdida”.

Aplicação da anacruse

Os autores da The Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics dizem haver, em tempos modernos, uma paridade entre o fenômeno da anacruse na poesia e na música.

Nesta última, não é difícil encontrarmos composições em que notas extras antecedem o primeiro compasso.

Na poesia portuguesa, porém, os exemplos de aplicação da anacruse que encontramos são quase todos provenientes de poetas árcades e românticos, tendo estes a empregado sob influência daqueles.

Péricles Eugênio da Silva Ramos, em Do Barroco ao Modernismo, demonstra-nos que esse, assim como outros recursos estilísticos dos ditos árcades e românticos, foram muitas vezes interpretados como erros de metrificação pelos próprios editores de suas obras.

A anacruse ocorre, por exemplo, neste passo de Tomás Antônio Gonzaga, onde temos decassílabos entremeados de hexassílabos (nosso destaque para as sílabas que “vão perdidas”):

Inda, ó Bela, não vejo
Cadafalso enlutado,
Braço de ferro armado;
Mas vivo neste mundo, ó sorte impia,
E dele só me mostra a estreita fresta
O quando é noite, ou dia.

Olhos baços, e sumidos,
Macilento, e descarnado,
Barba crescida, e hirsuta,
Cabelo desgrenhado;
Ah! que imagem tão digna de piedade!
Mas é, minha Marília, como vive
Um réu de Majestade.

Noutro passo, verifica-se novamente a anacruse em versos heroicos entremeados de seus quebrados:

“Dirceu, clama um Pastor, ah! bem merece
“Da cândida Marília a formosura.
“E aonde, clama o outro, quer Eulina
“Achar maior ventura?”

Nenhum Pastor cuidava do rebanho,
Enquanto em nós durava esta porfia.
E ela, ó minha Amada, só findava
Depois de acabar-se o dia.

Em todos estes casos, temos de desconsiderar a primeira sílaba dos versos para que eles se enquadrem na métrica do poema.

Outro exemplo, também de Tomás Antônio Gonzaga, em que o poeta se vale da anacruse em meio a decassílabos:

Não será, Lusos, não, a vez primeira,
— Se a história nós julgarmos verdadeira —
Que venere o mundo com maior respeito
Virtude heróica no femíneo peito:
Tu, Erifile, de valor armada,
Cingiste, qual varão, cortante espada!

Embora a anacruse possa parecer a alguns involuntária, exemplos de poetas habilíssimos e meticulosos no posicionamento dos acentos como Gonzaga provam-nos o contrário: a anacruse é empregada também na música, e também em grandes poetas de outras línguas modernas, como Shakespeare e William Blake.

Deste último, por exemplo, temos os seguintes heptassílabos em The Tiger:

When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears

Desconsiderando a silaba destacada, verificamos paridade rítmica perfeita entre ambos os versos.

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Exemplo de anacruse

Finalizamos o assunto com aquele que talvez seja o exemplo mais evidente do emprego intencional de anacruse em português.

No poema A valsa, de Casimiro de Abreu, a anacruse é necessária posto que seu ritmo, tão simples e tão evidente, exige-a na leitura dos versos:

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
– Não negues,
Não mintas…
– Eu vi!…

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
(…)

Aqui, como noutros exemplos, a anacruse é empregada como elemento de variedade nos versos.

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Anacruse: o que é, características e exemplos. [S.I.] 2024. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/anacruse-poesia-o-que-e-exemplos/. Acesso em: 2 mai. 2024.