Conheça o poema Acrobata da dor, de Cruz e Sousa, e confira nossa análise!
Acrobata da dor é um poema escrito pelo poeta brasileiro Cruz e Sousa que está disponível em seu livro Broquéis (1893).
O poema encerra uma metáfora muito criativa e é trabalhado de maneira habilíssima pelo poeta, podendo ser considerado, sem dúvida, um de seus melhores poemas.
Sendo assim, preparamos esse texto para que você conheça o poema Acrobata da dor, de Cruz e Sousa. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.
Boa leitura!
Acrobata da dor, de Cruz e Sousa
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Análise do poema
- Tipo de verso: decassílabo rimado
- Número e tipo de estrofes: 4 estrofes: 2 quadras e 2 tercetos (soneto)
- Número de versos: 14 versos
Acrobata da dor é construído em decassílabos rimados; portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.
Este soneto utiliza uma forma construtiva clássica e vale-se da tradicional “chave de ouro” como encerramento.
Estrutura do poema
Acrobata da dor é um soneto, portanto possui 14 versos divididos em 4 estrofes, sendo elas duas quadras e dois tercetos.
As quadras apresentam uma disposição de rimas que chamamos enlaçadas, isto é, apresentam dois versos rimando em parelha entre dois outros que também rimam, conforme o esquema abba.
Já nos tercetos, as rimas se apresentam conforme o esquema ccd eed.
Os versos são decassílabos, isto é, apresentam, cada um deles, dez sílabas poéticas; este é o metro mais comum e mais tradicional em sonetos.
Quanto ao ritmo, os versos apresentam duas variações: a primeira, com acentuação na sexta sílaba, em verso que chamamos decassílabo heroico; a segunda, em verso que chamamos sáfico, com acentuação na quarta e na oitava sílaba.
É importante dizer que este soneto faz o uso da chamada “chave de ouro”, ou seja, é encerrado com um verso potente e brilhante, sem o qual o poema não tem a mesma força.
Neste caso, o próprio sentido do poema só é inteiramente revelado no último verso, e disso resulta grande parte de seu efeito.
Vocabulário do poema
Antes de analisarmos o sentido de Acrobata da dor, é fundamental que o significado de algumas palavras pouco usuais que constam no poema seja esclarecido:
- Gavroche: gaiato esperto e travesso; menino parisiense; zombeteiro; inteligente.
- Clown: palhaço.
- Estertor: respiração ruidosa própria de moribundos.
- Fremente: agitado, vibrante, trêmulo.
- Estuoso: ardente; que jorra fortemente.
Sentido do poema
Acrobata da dor é um poema habilidosamente trabalhado em cima de uma metáfora.
Logo ao ler o título, a pergunta que invariavelmente nos acomete é: “Quem é esse tal acrobata da dor?” — e é isso que o poema irá nos revelar.
Assim é a primeira estrofe:
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.
A primeira nota que fazemos sobre esta estrofe é que ela não revela o mistério do título. Portanto, aqui cria-se um suspense, porque continuamos a querer saber quem é o tal acrobata.
Em seguida, vemos que a estrofe é narrada com verbos cuja pessoa é-nos desconhecida, isto é, pelos verbos “gargalha” e “ri”, o poema pode estar sendo narrado na terceira pessoa (pres. do indicativo) ou na segunda pessoa (imperativo).
Algo assim fará, sem dúvida, toda a diferença; mas, por enquanto, continuamos no escuro.
O que se tira desta estrofe é que o poema refere-se a uma risada “absurda”, exagerada, simultaneamente irônica e angustiante, que carrega consigo uma “dor violenta”.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…
Nesta segunda estrofe, continuamos sem identificar a pessoa dos verbos, e continua um mistério quem seja o acrobata anunciado no título do poema.
Temos, contudo, indícios, pelo próprio tom do poema, de que o eu lírico está a ironizar a postura do tal acrobata, que agoniza enquanto faz o papel de um palhaço alegre.
Os adjetivos utilizados (“atroz”, “sanguinolenta”) sugerem a violência da dor que a gargalhada procura camuflar; “varado pelo estertor dessa agonia lenta” é algo ainda mais grave, que caracteriza um estado crítico.
Enfim, aqui já temos claramente a imagem do palhaço que entretém o público enquanto é corroído por dentro.
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…
Aqui, finalmente, descobrimos o poema tratar-se de um discurso direcionado a um interlocutor direto (“Pedem-te”); portanto, as estrofes anteriores usavam os verbos no imperativo, algo que já tínhamos indícios pelo tom irônico do poema.
Esta ironia, aqui, é reforçada com o eu lírico a incentivar que o palhaço continue a divertir o público enquanto permanece dilacerado por dentro.
Esta estrofe pinta, também, um cenário que pressiona o acrobata e certamente agrava a dramaticidade de sua situação.
Contudo, continuamos sem saber quem seja o acrobata; e precisamos da última estrofe para descobri-lo:
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Em primeiro lugar, notamos que, após exortá-lo a divertir o público e fazer todas aquelas acrobacias, o eu lírico insinua que o fim do acrobata é sempre cair sobre o chão, “fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente”.
Ou seja, após toda a sua emotividade exagerada em todos os sentidos (vide as palavras utilizadas no poema), o acrobata cai e afoga-se no próprio sangue (outra imagem excessivamente dramática).
Quer isso sugerir que a ocultação da dor experimentada e o fingir para agradar o público o conduzem, sempre, ao colapso.
Por fim, descobrimos que o tal “acrobata da dor” é ninguém menos que o coração humano.
Vemos, aqui, um uso perfeito da chamada “chave de ouro”, visto que o poeta conduziu-nos sustentando o mistério do título do poema, só nos revelando o seu sentido preciso no último verso.
Acrobata da dor, portanto, é um poema que explora a dualidade riso e tristeza, dramatizando o sofrimento íntimo experimentado pelo ser humano, a despeito de como este se mostre (e precise se mostrar) exteriormente.
Sobre Cruz e Sousa
Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), em Santa Catarina.
Nasceu livre, por ser filho de escravos alforriados, e foi criado como filho adotivo do Marechal de Campo Guilherme Xavier de Sousa e Clarinda Fagundes de Sousa.
Teve a educação patrocinada pela mesma família de aristocratas que alforriou seus pais, fazendo os primeiros estudos em Santa Catarina e, em seguida, movendo-se a São Paulo, onde cursou direito e formou-se em 1881.
Iniciou sua carreira literária como jornalista e colaborou em diversas publicações.
Publicou seu primeiro livro de poesias, Tropos e Fantasias, em 1885.
Em 1893, lançou Missal e Broquéis, obras que se tornaram marcos do Simbolismo brasileiro.
Foi apelidado “Dante negro”, em referência ao poeta italiano Dante Alighieri, e tornou-se um dos poetas mais importantes do Brasil.
Apesar do reconhecimento literário, enfrentou dificuldades financeiras e problemas de saúde.
Faleceu em 19 de março de 1898, em Antônio Carlos (MG), vítima de tuberculose.
É patrono da cadeira 15 da Academia Catarinense de Letras.
Obras de Cruz e Sousa
- Tropos e Fantasias (1885)
- Missal (1893)
- Broquéis (1893)
- Evocações (1898)
- Faróis (1900)
- Últimos sonetos (1905)
- Outras evocações (1961)
- O livro derradeiro (1961)
- Dispersos (1961
- Poemas inéditos (1996)
- Últimos inéditos (2013)
Conclusão
Ficamos por aqui!
Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Acobrata da dor, de Cruz e Sousa.
Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre Desencanto, de Manuel Bandeira.
Um abraço e até a próxima!