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Poema Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga (com análise)

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Conheça o poema Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga (Marília de Dirceu, parte II), e confira nossa análise!

Lira XIX é um poema escrito pelo poeta Tomás Antônio Gonzaga, disponível no seu livro intitulado Marília de Dirceu (1792).

O poema consta na segunda parte da obra e dramatiza a situação de um eu lírico que, preso, conforta-se na lembrança de sua amada, da qual foi separado em razão de sua prisão.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça o poema Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga. Em seguida, você poderá conferir nossa análise.

Boa leitura!

Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga

Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.

Quando em meu mal pondero,
Então mais vivamente te diviso:
Vejo o teu rosto, e escuto
A tua voz, e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos;
Eu beijo a tíbia luz em vez de face;
E aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;
A violência da mágoa não suporto;
Foge-me a vista, e caio,
Não sei se vivo, ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento
Por lago espaço a imagem de um defunto,
Movo os membros, suspiro,
E onde estou pergunto.
Conheço então que amor me tem consigo;
Ergo a cabeça, que inda mal sustento,
E com doente voz assim lhe digo:

“Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.”

Análise do poema

Lira XIX é um poema construído em decassílabos e hexassílabos rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

O poema retrata sumariamente a aflição de um homem preso e separado de sua amada.

Estrutura do poema

Lira XIX possui 35 versos dispostos em cinco estrofes regulares, tendo sete versos cada uma delas.

O poema é construído majoritariamente por decassílabos, que são entremeados de versos quebrados de seis sílabas (hexassílabos). Este tipo de construção dá um dinamismo muito interessante ao poema.

As estrofes são estruturalmente similares, de forma que o 1°, 3° e 4° versos são hexassílabos, e os demais decassílabos.

Em todas as estrofes, o 2° verso rima com o 4°, e o 5° rima com o 7°, sendo os demais versos desprovidos de rima (versos brancos).

Para que este tipo de construção funcione ritmicamente (hexassílabos entremeando decassílabos), é preciso que, nos decassílabos, haja uma sexta sílaba acentuada, algo que ocorre por todo o poema, exceção feita a alguns versos sáficos, que também possuem um movimento que se harmoniza com decassílabos heroicos.

Sentido do poema

Lira XIX é um poema que dramatiza a situação de um eu lírico preso e separado de sua amada.

São versos que expõem a dor, a angústia, a tristeza e o abandono do eu lírico (Dirceu), que corrói-se por saudade de Marília.

Assim começa o poema:

Nesta triste masmorra,
De um semivivo corpo sepultura,
Inda, Marília, adoro
A tua formosura.
Amor na minha ideia te retrata;
Busca extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca, e mata.

Podemos dizer que a essência do poema já se vê representada nesta primeira estrofe.

O eu lírico encontra-se numa “triste masmorra”, que é pintada como a sepultura de um corpo semivivo, isto é, dele mesmo, que se retrata como a morrer.

Apesar disso, declara o eu lírico ainda adorar Marília, e buscar forças exatamente neste amor para que consiga resistir “à dor imensa” que o cerca e o domina.

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Assim prossegue o eu lírico, dizendo que quanto mais pensa no mal que o aflige, mais se apega à imagem de sua amada; portanto, o que ele quer nos sugerir é que, em sua penosa situação de encarcerado, o amor é a única coisa que ainda o faz sentir vontade de viver.

É importante ressaltar, aqui, que o próprio Tomás Antônio Gonzaga foi preso e condenado ao degredo por sua suposta participação na Inconfidência Mineira, embora tenha negado qualquer participação não a juízes, mas à posteridade, classificando a acusação que sofreu de “calúnia vil e insolente”, o que contribui para que possamos medir a dimensão de sua angústia.

Por isso, é este um poema que encontra um vistoso elo com a vida pessoal de seu autor.

Na terceira estrofe, o eu lírico faz algo interessante: após dizer não suportar a violência da mágoa que sofre e cair desfalecido, ocorre o seguinte:

Enternece-se Amor de estrago tanto;
Reclina-me no peito, e com mão terna
Me limpa os olhos do salgado pranto.

Portanto, o eu lírico se diz amparado pelo Amor, aqui personificado, como se ele se tivesse compadecido de quanto o eu lírico sofreu.

Por fim, o eu lírico altera o interlocutor ao qual se dirige: os versos, até então dirigidos à Marília, agora são direcionados ao personificado Amor:

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“Se queres ser piedoso,
Procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe o meu estrago,
E vê, Amor, se chora.
Se lágrimas verter, se a dor a arrasta,
Uma delas me traze sobre as penas,
E para alívio meu só isto basta.”

Assim, o poema é finalizado com essa bela imagem, que nos sugere que o mero saber que Marília se compadecia da dor atroz que ele estava a sofrer já era algo que lhe traria alívio.

Lira XIX, portanto, é um poema que expõe a situação dramática de alguém preso e separado de seu amor.

Sobre Tomás Antônio Gonzaga

Tomás Antônio Gonzaga nasceu, no Porto, em 11 de agosto de 1744.

Órfão de mãe no primeiro ano de vida, mudou-se com o pai para o Brasil ainda criança.

Retornou a Portugal quando adolescente para cursar direito na Universidade de Coimbra. Formando-se, exerceu a magistratura e alguns outros cargos de natureza jurídica.

Aos 38 anos, mais uma vez mudou-se para o Brasil e ocupou o cargo de Ouvidor Geral em Vila Rica-MG (Ouro Preto).

Sua vida foi marcada por uma suposta participação no movimento conhecido como Inconfidência Mineira. Por ela, foi preso, acusado de conspiração e condenado ao degredo.

Faleceu em Moçambique, em data incerta, ainda cumprindo a sua pena.

Sobre sua alegada participação na Inconfidência Mineira, eis o que nos diz Francisco Adolfo de Varnhagen:

Em primeiro lugar diremos que hoje temos a convicção de que o poeta desembargador Gonzaga não chegou jamais a associar-se aos tais ou quais planos aéreos de se efetuar na província uma insurreição.

(…)

Cremos, sim, que, em geral, chegou o mesmo Gonzaga a conversar, antes de se pensar em semelhante insurreição, acerca da possibilidade e naturalidade de vir um dia o Brasil a separar-se de Portugal

(…)

Mas a verdade é que não se prova que Gonzaga fosse conspirador, nem assistisse a nenhuma das reuniões em que se tratou da ideia da revolta, depois dessa ideia nascer. Assim, pois, cremo-nos hoje com todo fundamento autorizados, em defesa da probidade do autor da Marília, a proclamar que ele não mentiu à posteridade, quando em seus versos lhe deixou dito que era calúnia vil e insolente a acusação com que “se ultrajava o seu nome, com o suposto delito”.

Obras de Tomás Antônio Gonzaga

  • Marília de Dirceu (1792)
  • Cartas chilenas (1863)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de conferir o que escrevemos sobre Meu destino, de Cora Coralina.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Lira XIX, de Tomás Antônio Gonzaga (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/lira-xix-tomas-antonio-gonzaga-marilia-dirceu/. Acesso em: 25 out. 2024.