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Poema Como eu te amo, de Gonçalves Dias (com análise)

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Conheça o poema Como eu te amo, de Gonçalves Dias, e confira nossa análise!

Como eu te amo é um poema escrito pelo poeta brasileiro Gonçalves Dias, publicado originalmente em Últimos cantos (1851).

Este belo poema, como o título sugere, é uma composição do gênero lírico-amoroso, em que o grande maranhense dá-nos mostras de seu admirável talento.

Dito isso, preparamos esse texto para que você conheça Como eu te amo, de Gonçalves Dias. Em seguida, você poderá conferir nossa análise do poema.

Boa leitura!

Como eu te amo, de Gonçalves Dias

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua;

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os ecos,
O silêncio, as cores, o perfume, a vida,
Aos pais e à pátria e à virtude e a Deus.

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Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-te os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

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De mim não saberás como te adoro;
Não te direi jamais,
Se te amo, e como, e a quanto extremo chega
Esta paixão voraz!

Se andas, sou o eco dos teus passos;
Da tua voz, se falas;
O murmúrio saudoso que responde
Ao suspiro que exalas.

No odor dos teus perfumes te procuro,
Tuas pegadas sigo;
Velo teus dias, te acompanho sempre,
E não me vês contigo!

Oculto, ignorado me desvelo
Por ti, que me não vês;
Aliso o teu caminho, esparjo as flores,
Onde pisam teus pés.

Mesmo lendo estes versos, que m’inspiras,
— Não pensa em mim, dirás:
Imagina-o, si o podes, que os meus lábios
Não te dirão jamais!

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Sim, eu te amo; porém nunca
Saberás do meu amor;
A minha canção singela
Traiçoeira não revela
O prêmio santo que anela
O sofrer do trovador!

Sim, eu te amo; porém nunca
Dos lábios meus saberás,
Que é fundo como a desgraça,
Que o pranto não adelgaça,
Leve, qual sombra que passa,
Ou como um sonho fugaz!

Aos meus lábios, aos meus olhos
Do silêncio imponho a lei;
Mas lá onde a dor se esquece,
Onde a luz nunca falece,
Onde o prazer sempre cresce,
Lá saberás se te amei!

E então dirás: “Objeto
Fui de santo e puro amor,
A sua canção singela,
Tudo agora me revela;
Já sei o prêmio que anela
O sofrer do trovador.

“Amou-me como se ama a luz querida,
Como se ama o silêncio, os sons, os céus,
Como se ama as cores, o perfume, a vida,
Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!”

Análise do poema

Como eu te amo é construído em decassílabos, hexassílabos e heptassílabos majoritariamente rimados, portanto, é um poema que utiliza metrificação e rima.

Trata-se de um poema lírico em que o sujeito poético versa sobre o amor que experimenta.

Estrutura do poema

Como eu te amo possui 83 versos distribuídos em 16 estrofes irregulares.

O poema é dividido em quatro partes, de forma que cada uma das partes possui uma estrutura particular, conforme descreveremos.

Primeira parte

A primeira parte de Como eu te amo possui 20 versos divididos em cinco quadras (ou quartetos).

Os versos são decassílabos, ou seja, apresentam, cada um deles, dez sílabas poéticas.

As estrofes apresentam rimas que chamamos enlaçadas, ou seja, rimam em parelha dois versos entre outros dois que também rimam, conforme o esquema abba.

Quanto ao ritmo, os versos apresentam-se ou com acentuação predominante na sexta sílaba, seguindo o padrão que chamamos decassílabo heroico, ou com acentuação na quarta e oitava, segundo o padrão que chamamos sáfico.

Segunda parte

A segunda parte do poema consiste em uma única estrofe de 15 versos.

Os versos continuam decassílabos e continuam seguindo as variações rítmicas da parte anterior.

Contudo, são versos brancos, ou seja, são versos metrificados, mas que não apresentam rima.

Terceira parte

A terceira parte do poema possui, como a primeira parte, 20 versos divididos em 5 quadras.

Quanto à métrica e ao esquema rímico, porém, esta parte apresenta variações.

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A primeira delas é que há utilização de versos que chamamos quebrados, isto é, nesta parte, versos decassílabos são entremeados de hexassílabos, alternando-se.

As rimas são utilizadas nos hexassílabos, posicionados sempre no segundo e quarto versos das estrofes; os decassílabos, posicionados no primeiro e terceiro versos, não rimam.

Quarta parte

A quarta parte do poema possui 28 versos divididos em quatro sextilhas (ou sextetos) e uma quadra (ou quarteto) final.

As sextilhas são construídas em heptassílabos, ou seja, cada um de seus versos apresentam sete sílabas poéticas; este metro chamamos, em português, de redondilha maior.

O quarteto final, como a maior parte do poema, é construído em decassílabos.

Tanto as sextilhas, quanto o quarteto apresentam rimas.

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Nas sextilhas, temos um esquema rímico que pode ser representado como Nabbba, sendo N um verso branco.

Já no quarteto, temos rimas que chamamos cruzadas, alternadas ou entrelaçadas, conforme o esquema abab.

Sentido do poema

Como eu te amo é um poema que, sumariamente, expressa uma declaração de amor.

Sua interpretação não guarda segredos e, como já sugerido pelo próprio título, trata-se de um poema que busca dar voz à singularidade do amor experimentado pelo eu lírico.

Como abordado no tópico anterior, o poema é dividido em quatro partes, que apresentam estruturas particulares e são particulares, também, quanto ao sentido.

Primeira parte

Na primeira parte, as cinco estrofes são dedicadas a fazer comparações a fim de tangenciar a maneira pela qual o eu lírico ama, anunciada no título; são estrofes porém descritivas, e ainda não vemos o eu lírico dizer explicitamente de si.

Todas as quadras são abertas com as mesmas palavras, isto é, com “Como se ama…”, em técnica que chamamos paralelismo.

São evocadas inúmeras ideias que sugerem beleza e harmonia, e a todas elas é conferida uma singularidade gerada por circunstâncias especiais.

Segunda parte

Na segunda parte, o eu lírico passa a fazer uma declaração em primeira pessoa, afirmando amar como se ama todas aquelas coisas descritas na primeira parte.

Percebemos, aqui, que some o caráter descritivo, objetivo, distanciado, ora aparecendo verbos em primeira pessoa e exclamações.

Desaparecem também as rimas e o discurso, disposto numa única estrofe, soa-nos como um desabafo feito num único rompante.

Terceira parte

Na terceira parte, perduram as exclamações e o tom íntimo e confessional do poema; porém, aqui, voltam as rimas e a estrofação regular.

Esta parte é interessante porque evidencia a postura do eu lírico para com o amor que sente, já descrito nas partes anteriores, e que representa a singularidade de seu amor.

Lemos já na primeira quadra:

Sim, eu te amo; porém nunca
Saberás do meu amor;

Assim, após confessar que ama, e ama muito, o eu lírico diz desejar manter tal amor em segredo, fazendo dele uma dedicação total, mas oculta e silenciosa.

O eu lírico, pois, desenha-se como alguém sempre presente e sempre influente na vida da alma amada, mas nunca descoberto; seu amor é, portanto, um amor absoluto, que só entrega e nada pede ou recebe em troca.

Quarta parte

Nesta última parte, o eu lírico reforça o seu desejo e o seu compromisso de manter o amor que sente em sigilo; mas, agora, ficamos enfim sabendo o que ele espera ganhar em troca de sua dedicação sincera.

Se o amor descrito nas estrofes anteriores poderia parecer-nos apenas sofrimento, esforço inútil e resignação, aqui vemos que o eu lírico espera um “prêmio santo”, que consiste no reconhecimento da alma amada de que foi alvo de um amor puro e também santo.

Espera o eu lírico que tal reconhecimento se dê não através de uma revelação direta de sua parte, mas num plano superior, “lá onde a dor se esquece, onde a luz nunca falece, onde o prazer sempre cresce”.

Neste plano, aparentemente após a morte, terá enfim o eu lírico a recompensa pelo sofrimento que experimentou.

Como eu te amo, portanto, é um poema que expressa um amor extremado, capaz de guardar-se em silêncio e ainda assim perdurar com intensidade e entrega totais.

Sobre Gonçalves Dias

Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, no Maranhão.

Filho de um comerciante português com uma mestiça, teve sua primeira educação ministrada por um professor particular.

Em 1838 saiu do Brasil a Portugal para dar continuidade a seus estudos, formando-se em Direito pela Universidade de Coimbra.

Em Portugal, conheceu grandes nomes da literatura portuguesa, especialmente os românticos Alexandre Herculano e Almeida Garrett, que muito o influenciaram.

No Brasil, seria Gonçalves Dias a figura central do que ficou conhecido como a primeira fase do romantismo brasileiro.

Após formado em Direito, retornou ao Brasil e fixou residência no Rio de Janeiro.

Nesta cidade, passou a publicar com maior frequência e atuou como professor de latim e história do Brasil no Colégio Pedro II que, na época, era o mais renomado do país.

Faleceu em 3 de novembro de 1864, com apenas 41 anos.

Obras de Gonçalves Dias

  • Primeiros contos (1846)
  • Leonor de Mendonça (1847)
  • Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848)
  • Últimos cantos (1851)
  • Cantos (1857)
  • Os Timbiras (1857)
  • Dicionário da língua tupi (1858)
  • Obras póstumas (1868-69)
  • Obras poéticas (1944)
  • Poesias completas e prosa escolhida (1959)
  • Teatro completo (1979)

Conclusão

Ficamos por aqui!

Esperamos que você tenha gostado de nossa análise do poema Como eu te amo, de Gonçalves Dias.

Se você curtiu esse conteúdo, não deixe de ver o que escrevemos sobre A cavalgada, de Raimundo Correia.

Um abraço e até a próxima!

Como citar este conteúdo COMO FAZER UM POEMA. Poema Como eu te amo, de Gonçalves Dias (com análise). [S.I.] 2023. Disponível em: https://comofazerumpoema.com/poema-como-eu-te-amo-goncalves-dias-poesia/. Acesso em: 14 mai. 2024.